Acho que a palavra inspiração ainda não é suficiente pra descrevermos esse músico que entrevistamos. A entrevista só fez a gente ficar ainda mais fã desse cara que toca ukulele super bem. E com um detalhe: ele é deficiente visual.
Convido vocês a conhecerem a história desse cara com a música, e vocês irão se encantar tanto quanto a gente. O bate papo hoje é com o querido Daniel Moraes.

Ukecifras: Daniel, antes de falarmos de música, conta pra gente sobre sua deficiência visual, você nasceu sem visão, teve algum acidente? Conta pra gente como foi.

DM - Eu tenho deficiência visual desde a infância, eu enxerguei até aos 10 anos de idade, porém eu tive um problema de glaucoma e através daí eu acabei perdendo completamente a visão. Isso faz 35 anos.

Ukecifras: Quando que você você ouviu o som do ukulele pela primeira vez? Pelo rádio? Algum amigo tocando?

DM - Eu conheci o instrumento um dia voltando do trabalho, eu entrei no metrô daqui de SP, e aqui é comum alguns artistas se apresentarem dentro dos vagões do metrô. E eu ouvi um rapaz tocando esse instrumento e cantando… E me chamou a atenção o som do instrumento, e como ele tava fazendo o trabalho dele arrecadando alguns fundos, eu peguei um dinheiro, na realidade nem sei quanto eu dei pra ele, fiquei tão empolgado com o trabalho dele e aí eu o chamei e perguntei qual instrumento que era aquele, e ele me falou um nome estranho, que eu nunca tinha ouvido falar. Aí ele me mostrou o instrumento e eu achei interessante o som, o timbre.
Eu já conhecia um pouco de violão, muito pouco, e já tinha me frustrado a dificuldade natural que eu tive de aprender alguns instrumentos; violão, guitarra… E como eu não evoluí eu acabei encostando um pouco de lado os instrumentos. Mas o ukulele foi “diferente”, e assim que eu cheguei em casa desse encontro com o rapaz eu fui pesquisar na internet, encontrei algumas coisas a respeito e tudo. E aí como no mês seguinte eu estaria de férias, eu decidi comprar um instrumento pra estudar por conta própria. Comecei a estudar e a curva de aprendizado dele é um pouco mais rápida, e com ele eu achei que eu poderia crescer muito mais. Foi quando eu entrei em contato com um professor de ukulele do Rio de Janeiro, o Ary Ferreira, e aí falei pra ele que eu era deficiente visual e ele topou me dar aula pelo WhatsApp. E desde então venho me desenvolvendo no ukulele.

Ukecifras: Quando você começou a aprender, você utilizava mais o ouvido relativo pra entender o braço do instrumento, ou você confiava mais no tato? O que foi mais útil pra você no início?

DM - Na realidade eu juntei essas duas coisas, tanto o ouvido quanto o tato. Uma das minhas maiores dificuldade como qualquer instrumento é afinação, e o que eu fazia: eu consegui um áudio do próprio youtube e eu comparava o som desse áudio com o som do meu instrumento e ia afinando pra ficar igual, e aí eu ia conferindo com outros áudios e batia, ficava certo. Tanto o tato quanto o ouvido nesse momento foram muito importantes pra mim, e ainda continuam sendo, e ainda serão por muito tempo.
Hoje eu uso um afinador que ele continua emitindo um som, e eu continuo afinando por comparação, eu ouço e afino por comparação. Eu não tenho como afinar com afinador eletrônico, pois no afinador o músico tá vendo ali o indicador de afinação. E no meu caso eu tenho que afinar por aproximação, então eu ouço e comparo o som acima do que eu tô ouvindo. Eu já andei testando alguns (afinadores) e tal, mas esse é o que mais se aproxima, mais me ajuda.

Ukecifras: Daniel, você chegou a citar que tentou tocar alguns outros instrumentos, você toca algum outro instrumento? E na comparação de aprendizado o que você viu de mais fácil no ukulele em relação aos outros?

DM - Eu tentei tocar violão de seis cordas e guitarra. O que acontece é o seguinte, vou até fazer aqui um parênteses: A maioria das pessoas que começam a tocar, elas começam a tocar pensando em tocar igual ao que elas estão ouvindo ali na mídia, querem tocar igual ao artistas e muitas vezes você não consegue tocar exatamente igual ao artista, que foi o meu caso. Eu tive uma certa dificuldade de tocar bem, tocar legal. Aí eu comprei o violão, achei desconfortável, levei num Luthier, e aí tive a ilusão que o violão era mais desconfortável e fui pra guitarra. A guitarra é um instrumento parecido com o violão mas não é igual, o jeito de tocar é diferente, e aí sempre queria tocar igual os músicos originais e quando eu não conseguia isso, acabava me desestimulando e deixei pra lá.
Já com o ukulele, eu vi que era um instrumento mais portátil, mais à mão, que eu conseguia alcançar com mais facilidade as distâncias, não que os outros instrumentos sejam impossíveis de fazer isso, mas é que a música é uma coisa tão maravilhosa, tão fantástica, que como existem vários instrumentos, se um indivíduo tem dificuldade com um, talvez se ele tentar um outro, pode ser que ele consiga.
Eu digo pra você que hoje eu ainda estou me desenvolvendo no ukulele, mas eu já consigo fazer muito mais coisa do que eu fazia no violão e na guitarra que eu abandonei logo assim que eu tive muitas dificuldades de tocar, já o ukulele não, ele tá comigo a todo instante, a todo momento. Não que seja um instrumento fácil, mas é um instrumento que te dá maior apoio. Eu tive mais apoio no ukulele.

Ukecifras: Você lembra da primeira música que você aprendeu a tocar? E qual foi a sensação de tirar a primeira música sozinho?

DM - A primeira música que eu tirei sozinho foi “Será” do Legião Urbana. Foi uma sensação maravilhosa cara, que eu estudava o instrumento até então sozinho, e aí depois que eu comecei a estudar com o professor Ary, a primeira música que eu aprendi a tocar foi “Love Me Tender”, uma música que gosto muito também e quando eu tirei eu fiquei bastante emocionado, porque essa música ela foi tirada no fingerstyle que é um estilo que o instrumento “canta” e você mistura melodia com harmonia. E isso me trouxe uma emoção muito grande.

Ukecifras: Daniel, desde já eu quero agradecer esse papo com a gente, foi uma honra enorme ter conhecido você e sua história, tô feliz demais! E agora você que já toca, o que você indica pro pessoal que tá começando a aprender, que tem interesse tocar o ukulele?

DM - Imagina cara, eu que agradeço e aliás eu quero parabenizar vocês pelas entrevistas, eu vi lá a entrevista do Evandro Mesquita, da Flávia Felício, do Rafael Rocha, muito legal.
Mas em relação à questão, eu aconselho o estudante de ukulele, o interessado em procurar um profissional, um professor. Um cara que possa passar pra ele as informações corretamente, que ele aprenda sem “manias”, porque quando você começa a aprender por conta própria você adquire manias e depois fica muito difícil pra você tirar essas manias. E assim tocar seu instrumento, tocar o seu ukulele sem se preocupar em comparar com o que o outro tá tocando, você tem que tocar pra você ser feliz, pra você se elevar, pra você crescer, não pensando em comparar com outro músico. Outra coisa importante também depois de você ter escolhido um professor é procurar uma dica com ele de um instrumento de razoável pra bom, porque muitas vezes quando o instrumento não é bom, ele desestimula o aluno. Não precisa ser um instrumento caro, não precisa ser o top, mas que seja um que te dê conforto, que possa fazer com que você tire um som legal, e isso só o professor pode passar essas orientações de instrumento, cordas, enfim. São essas dicas que eu tenho pra passar aí humildemente.